A dona-de-casa Michele Silva, 19 anos, acordou cedo, ontem, como todos os dias. Mas, além de arrumar a casa e preparar o almoço, ela tinha de levar o filho de oito meses até o Gonzaguinha da Barra do Ceará, onde ele teria um consulta por conta de uma alergia na pele.
Como era perto de casa, foi andando. Michele sempre levava o menino no carrinho, mas decidiu carregá-lo nos braços. Seria a última vez. Ela estava na esquina das avenidas G e L, no Vila Velha, em frente a um parque de diversões, quando percebeu que o ônibus da linha Jardim Guanabara/Francisco Sá se aproximava rápido demais.
Com a certeza de que o choque seria inevitável, Michele arremessou o filho sobre um canteiro e esperou o impacto. Imediatamente foi cercada pelas pessoas que passavam pelo local. Do chão, ainda tentou alcançar o menino, mas não teve forças. Ninguém ajudou. Foram 25 minutos de espera por socorro. Em vão: Michele morrera da mesma forma que o pai, há menos de dois anos.
A ambulância levou a criança para o Instituto Doutor José Frota, onde foi submetido a exames. Apenas com escoriações leves pelo corpo, teve alta no início da tarde. Uma tia acompanhou o garoto todo o tempo.
Aos poucos, a notícia do acidente correu pelo bairro e logo chegou aos sete irmãos. Suelen de Castro Silva, que estava trabalhando, foi uma das primeiras a saber. Parecia não acreditar. Nem quando viu o caixão com a irmã chegar, por volta das 18 horas, à casa em que a família vivia, na Rua Major Assis.
A mesma linha cujo ônibus atropelou a dona-de-casa passa em frente ao endereço. Cada vez que o barulho do motor podia ser ouvido da sala era como se ela morresse de novo. Aconteceu uma vez. Na segunda, um dos irmãos arremessou uma pedra contra o coletivo como se quisesse vingar Michele.
Suelen contou que a irmã completaria 20 anos no próximo mês de julho e já planejava a retomada dos estudos que precisou parar antes do fim do Ensino Fundamental por conta da gravidez não planejada. “Apesar de todos os sacrifícios que precisou fazer, ela nunca se arrependeu ou teve dúvidas de que criaria a criança”, lembrou.
De acordo com Suelen, a irmã vivia há dois anos a poucas quadras de onde aconteceu seu velório, com o pai da criança, que agora cuidará do menino com a ajuda dos parentes. “O filho era a coisa mais importante do mundo para ela. Tanto era que Michele fez o que fez. Não poderia ter dado prova de amor maior. E ele vai saber.
Quando crescer, vai ter muito orgulho da mãe”, prometeu Suelen.
A diarista Cícera Marlene relutou em entrar na casa e ver o corpo da amiga. Queria ficar com a imagem dela viva, “sempre alegre e carinhosa”, cuidando da filha de Cícera enquanto saía para trabalhar. “Estou até agora sem acreditar, gelada. Uma menina boa, que era louca por criança”, declarou.
Segundo Cícera, ela foi informada da morte de Michele pela babá, que a dona-de-casa havia indicado para substituí-la, enquanto não voltava a trabalhar. “A gente já estava conversando sobre o retorno dela. Assim que o menino completasse um ano, ela voltaria a estudar e a me ajudar”, relatou a diarista, tentando segurar as lágrimas.
Outro irmão de Michele, Francisco Lucélio de Castro Silva, revelou que, conforme relatos de testemunhas, após a colisão, o motorista do ônibus envolvido no acidente fugiu a pé. Ele foi encaminhado ao 17º Distrito Policial e liberado logo depois de prestar depoimento.
F - Nem Ki Lask :